Moradora de Várzea Queimada, no Piauí, segura palha de carnaúba. A foto é parte da exposição “A Gente Transforma”, um projeto social de Marcelo Rosenbaum, que está exposta no prédio da Bienal, nesta edição do SPFW.
Pena que no meio da correria entre um desfile e outro, muitos vão olhar de relance e passar batido. Vale a pena ler a matéria de Laura Artigas sobre o assunto, no site do FFW. Clique no link ou leia abaixo.
A Gente Transforma
O terceiro dia de São Paulo Fashion Week começou com a palestra de Marcelo Rosenbaum — o designer é parceiro da 33ª edição do evento, cujo tema é o projeto “A Gente Transforma”. A vila de Várzea Queimada, no Piauí, é a estrela da semana de moda paulistana. Fotos dos moradores estampam os corredores da Bienal e os produtos por eles desenvolvidos têm lugar de destaque no terceiro andar do prédio.
O designer abriu a conferência com um trechinho das imagens que vão compor o futuro documentário sobre o projeto, e, em seguida, apresentou um gráfico: “Há mais casas com televisão do que com geladeira no Brasil”, revelou. Há cinco anos ele reforma casas no quadro “Lar Doce Lar”, do programa Caldeirão do Huck, na Rede Globo. A estatística serviu para mostrar o alcance e o impacto da sua imagem. “É uma responsabilidade muito grande comunicar em um veículo tão abrangente quanto a TV”, comentou. Quando sua equipe aportou no vilarejo do semiárido piauiense, ele foi logo reconhecido por todos.
Foi durante uma palestra que proferiu no Piauí que Rosenbaum se conectou com o SEBRAE local e pediu uma lista de possíveis pontos de ação para a segunda etapa do projeto (a primeira foi realizada no Parque Santo Antônio, zona sul de São Paulo). A seleção da região foi em função de sua carência, indicada pelo baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano, padrão estabelecido pela ONU). O lugar foi escolhido por uma reação orgânica da equipe. “A fotógrafa Tatiana Cardeal soltou: ‘É aqui’”, relembra.
O artesanato e a sustentabilidade já eram realidade em Várzea Queimada. As mulheres trançavam a abundante palha de carnaúba e os homens esculpiam borracha reciclada de pneus velhos. A transformação da matéria prima em um “objeto-conceito” foi feita em parceria com os portugueses Pedro Ferreira e Rita João, do Pedrita Studio. “As pessoas de lá vivem de bolsa família e da aposentadoria. Eles dispõem de muito tempo livre. Já estavam preparados, esperando por trabalho”, pontua Rosenbaum.
A palestra seguiu com a fala do ambientalista Kaká Werá, estudioso da cultura indígena. Ele remontou a história de Várzea Queimada, apontando a origem negra e índia, e falou sobre a felicidade do povo: “O cálculo do IDH não leva em conta a felicidade”, avisa.
“As pessoas saem de lugares como Várzea Queimada em busca do progresso e acabam em lugares como o Parque Santo Antônio”, reflete Rosenbaum. O bairro paulistano sediou a primeira parte do “A Gente Transforma”. Por lá, o designer coloriu as casas no entorno do campo de futebol, fundou uma biblioteca e deu vida nova à comunidade. “Para conseguir fazer o trabalho lá tínhamos que pedir autorização para o Cabelo, o chefe do tráfico da favela. Conheci o Cabelo e pensei: ‘Ele é um menino, por que todo mundo tem medo dele?’. O tal Cabelo é o Geovani, que está aqui com a gente”, surpreendeendo a todos.
O ex-Cabelo contou que vendo as mudanças trazidas pelo projeto, se sentiu estimulado a largar o tráfico. “Eu tenho três filhos, pensava em dar o exemplo para eles”, confessou. Quando o projeto chegou ao fim. O jovem pediu um trabalho para Rosenbaum. Hoje ele trabalha na ONG Casa do Zezinho.
“O Geovani é um empreendedor, um líder, ele só estava jogando do lado errado”, comentou. Com a exposição do São Paulo Fashion Week, Rosenbaum e sua equipe pretendem promover transformações como a de Geovani. “O Brasil tem muitos lugares prontos para receber o projeto”, ele finaliza.