Qual foi a última vez que você viu um mulherão desses, com curvas voluptuosas, na capa de um revista de moda?
Se você é da turma dos fashionistas, certamente viu Beth Ditto, vocalista do Gossip, na capa do primeiro número da revista LOVE, em fevereiro deste ano. Ela é o primeiro ícone pop a quebrar a ditadura da magreza, em muito tempo. Ditto, que além de gorda é uma lésbica militante, assumidíssima, chamou a atenção até mesmo da poderosa Anna Wintour. Um parêntesis sobre o assunto:
Pessoalmente, não acredito que a diretora da Vogue America tenha mudado sua visão sobre os padrões estéticos femininos. A revista publica um ou outro editorial com foco em diferentes tipos físicos, com alguma moça mais carnuda, uma vez por ano, e só. No restante do tempo, são veiculadas milhares de imagens que reforçam o estereótipo do corpo esguio. O fato da revista LOVE, de Katie Grand, também pertencer à Condé Nast, é significativo. Certamente, La Wintour não quer perder o trono de grande dama de moda. Fecha o parêntesis.
A imagem lá no topo do post, que mostra sete belas modelos com vários centímetros a mais de seios, coxas e quadris, não foi publicada na capa, mas sim na seção de saúde da revista Glamour norte-americana. E mesmo assim, eu diria que é um marco no mercado de revistas femininas. A foto ilustra uma matéria/manisfesto em que a publicação assume o compromisso de mostrar, a partir de agora, e de forma consistente, mais mulheres curvilíneas.
A autora da matéria, Genevieve Field, conta que tudo começou em setembro, quando a foto de uma modelo plus size, também nua, começou a receber muitos comentários no site da Glamour.com. Isso chamou a atenção da equipe, levando à uma inevitável pergunta: se existe uma legião de mulheres acima do peso considerado “normal” e elas manifestam o desejo de se verem representadas na mídia e na moda, porque são sumariamente ignoradas?
“Em primeiro lugar existe o problema do tamanho das roupas. A maior parte dos estilistas de ponta, não fabrica roupas maiores do que 42”, explica Genevieve Field. E a razão disso, apontada por uma pessoa que faz pesquisa de mercado, é simples: puro preconceito. “Ainda existe um grande estigma com relação aos tamanhos grandes, no mercado de moda de vanguarda. Me mostre uma marca que está disposta a ligar sua imagem (e de seus licenciados) a isso, e terá encontrado uma empresa progressista”, diz Marshal Cohen.
Mas mesmo que mais estilistas se disponham a aumentar a numeração de suas peças, ainda existe a questão do mostruário. É que as peças fotografadas pela imprensa são confeccionadas em tamanho…36/38! A editora de moda senior, Maggie Mann, conta que quando eles vão fotografar alguém com medidas fora do padrão, sempre levam uma costureira para fazer adaptações e abrir as costuras. As únicas exceções acontecem quando as celebridades ganham roupas sob medida feitas por algum estilista.
Outro ponto importante, citado com bastante honestidade na matéria, é que as modelos que trabalham como plus size, nem são tão grandes assim. Elas estão mais para 42/44 do que para GGG. Uma delas, inclusive, diz que costuma levar enchimentos de espuma para rechear as roupas, quando vai posar para catálogos de marcas de tamanhos grandes.
Enquanto muitas mulheres escreveram para a Glamour para demonstrar o apreço por aquela imagem de mulher “real”, outras fizeram críticas duras, dizendo que a revista estaria estimulando hábitos pouco saudáveis e até a obesidade. Na minha opinião, isso demonstra claramente a neurose de uma sociedade obcecada pela aparência, pela magreza e pela ideia de perfeição.
Uma foto como aquela, com mulheres bonitas que assumem suas formas com alegria e sensualidade, não causa mais do que o aumento da auto-estima. A saúde é importante e deve ser cuidada, não importa aonde caia o ponteiro da balança. Uma gordinha de bem com seu corpo pode ser muito mais saudável do que uma magricela que se entompe de remédios e se priva de alimentos.
Em resumo, a revista se compromete, formalmente, a mostrar mais corpos de tamanhos variados, a celebrar as pequenas imperfeições que, afinal, nos tornam únicos, e a apoiar os estilistas que abraçarem a causa e produzirem roupas bacanas para vestir as formas arredondadas das mulheres reais.
No Brasil, o mercado de moda obedece ao mesmo padrão. As marcas do segmento high fashion fazem roupas até o tamanho 44, e olhe lá. Os grandes magazines, como Renner e C&A, são um pouco mais democráticos, tanto no preço quanto na numeração, que atende até o 46/48. Além disso, é preciso se dirigir às lojas especializadas.
Eu mesma, no período em que trabalhei na revista Marie Claire, produzi 3 matérias sobre o tema, e senti a dificuldade de encontrar roupas que traduzissem as tendências de moda para quem tem um corpo maior do que a média.
Uma outra coisa que sempre me irrita, em manuais de estilo, é o tom de “correção” e “propriedade” dos conselhos, tipo: “Se você está acima do peso, procure emagrecer! Enquanto isso, use roupas de tecidos leves e soltos, que não marcam o corpo”. Embutido nesse discurso está a mensagem de você só será chique se for magra, e até lá, deve camuflar seus defeitos sob uma boa quantidade de pano.
Ontem, coincidentemente, o programa da Hebe recebeu Preta Gil e uma turma de mulheres plus size, responsáveis pelo blog Mulherão. Preta reafirmou que não tem o menor o pudor em usar biquíni, e que processou (e ganhou) as revistas que publicaram fotos suas, na praia, com legendas ofensivas falando do seu corpo.
As blogueiras Renata Poskus Vaz, Dani Lima e Keka Demétrio, afirmaram a determinação de se assumirem como são, “gostosas e em paz com a balança”. Elas anunciaram, inclusive, que pretendem organizar uma espécie de Fashion Week para mulheres plus size, em janeiro. Preta, é lógico, foi convidada a a ocupar o cargo de top model.
Outro blog que fala sobre o tema, além do Mulherão, é gringo Fatsionista, de Amanda Piasecki e Lesley Kinzel, que tem uma comunidade colaborativa no Flickr, em que as pessoas podem postar fotos dos seus looks.