sobre as mulheres gravetos

Na correria desta “semana week de moda fashion” só ontem à noite consegui ler a matéria sobre a magreza excessiva das modelos, escrita por Alcino Leite Neto e por Vivian Whiteman, na Folha de São Paulo.

Para quem não leu, seguem alguns trechos do artigo.

De tão magras, modelos chegam a andar com dificuldade

Por ALCINO LEITE NETO e VIVIAN WHITEMAN, da Folha de S.Paulo

“Chegou a um nível irresponsável e escandaloso a magreza das modelos nas semanas brasileiras de moda. As garotas, muitas delas recém-chegadas à adolescência, exibem verdadeiros gravetos como pernas e, no lugar dos braços, carregam espécies de varetas desconjuntadas. De tão descarnadas e enfraquecidas, algumas chegam a se locomover com dificuldade quando têm que erguer na passarela os sapatos pesados de certas coleções.” (…)

“Uma rede de hipocrisia se espalhou há anos na moda, girando viciosamente, sem parar: os agentes de modelos dizem que os estilistas preferem as moças mais magras, ao passo que os estilistas justificam que as agências só dispõem de meninas esqueléticas. Em uníssono, afirmam que eles estão apenas seguindo os parâmetros de beleza determinados pelo “mercado” internacional –indo todos se deitar, aliviados e sem culpa, com os dividendos debaixo do travesseiro.” (…)

“Enquanto isso, as garotas emagrecem mais um pouco, mais ainda, submetidas também a uma pressão psicológica descomunal para manterem, em pleno desenvolvimento juvenil, as características de um cabide. Um emaranhado de ignorâncias, covardias e mentiras vai sendo, assim, tecido pelo meio da moda, inclusive pelos estilistas mais esclarecidos, que não pesam as consequências do drama (alheio) no momento em que exibem, narcisicamente, suas criações nas passarelas.” (…)

“O filósofo italiano Giorgio Agamben escreveu que as modelos são ‘as vítimas sacrificiais de um deus sem rosto’. É hora de interromper esse ritual sinistro. É hora de parar com essas mistificações da moda, que prega futuros ecológicos, convivências fraternais e fantasias de glamour, enquanto exibe nas passarelas verdadeiros flagelos humanos.”

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Eu tiro o chapéu, mais uma vez, para o Alcino. Já era hora de alguém falar, com todas as letras, que a responsabilidade é de todos os envolvidos e não pode ser eternamente varrida para debaixo do tapete.

Hoje, a Folha publicou uma nota dizendo que Paulo Borges: “está encaminhando uma carta às maiores semanas de moda do mundo, bem como aos principais editores e fotógrafos internacionais, alertando sobre a magreza atual das modelos.A carta foi elaborada logo após o Fashion Rio. ‘No evento, percebemos que as modelos estavam mais magras”, diz Borges. “Sentimos então a necessidade de fazer essa carta, porque o problema é mundial.’

A matéria continua:

A SPFW realiza desde 2007 uma campanha de esclarecimento com as modelos a respeito de distúrbios alimentares. O evento também faz um controle sistemático das modelos que participam dos desfiles. Elas devem fornecer à organização atestado de saúde, documentação de trabalho e autorização judicial, se forem menores de idade. “Fomos pioneiros em tomar uma atitude sobre isso, como também em incluir sistematicamente os afrodescendentes nos desfiles”, conta.Borges diz que, nesta edição da SPFW, duas modelos já foram impedidas de participar dos desfiles porque eram menores de idade e não tinham autorização judicial. “Fazemos o controle, mas não a seleção das modelos que participam. Isso compete às grifes, aos estilistas. Não somos coniventes com as escolhas feitas por eles, mas a escolha não está em nossas mãos.” (ALCINO LEITE NETO)

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É inquientante perceber que, mesmo com as iniciativas que já foram tomadas, aqui no Brasil, a magreza excessiva ainda prevaleça como padrão estético dominante.

De alguns meses para cá, temos visto alguns bons exemplos, na mídia impressa internacional,  de quebra desses padrões estéticos, como o caso de Beth Ditto na capa da Love, a V Magazine com seu editorial “plus size” e a carta de intenções publicada pela revista Glamour, se comprometendo a fotografar mulheres de todos os tipos físicos, em todas as suas edições. Mas, até agora, a “tendência” não pegou por aqui.

E se pegar, tenho receio de que o assunto acabe virando o “bom mocismo” da hora, com iniciativas de último momento, sem consistência ou compromisso sério. Pelo bem de nossas meninas/modelos, esperemos que não.

quem ama o feio?

A estilista Thais Losso (que já foi da Zapping, da Cavalera e da Sommer) acaba de lançar uma linha de camisetas sensacional, a começar pelo nome: “Ah! Isso Não Vende!”.

A micro-coleção deriva da sua participação no Projeto Container, durante o último Fashion Rio, quando Losso propôs um questionamento sobre os padrões de beleza, os conceitos de feio e bonito e a latinidade brasileira.

A minha favorita é a camiseta Tô Bete!,  ideal para aqueles dias em que a gente se olha no espelho, leva um susto, e se pergunta como foi que virou um personagem de uma novela mexicana.

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Para ver os outros modelos disponíveis, conferir as fotos (divertidíssimas, do fotógrafo Rogério Alonso, com cenografia do Estúdio Xingú) e fazer comprinhas online, visite o blog AH! ISSO NÃO VENDE!!! Os preços são amigáveis, entre R$ 67 e R$ 85.

A questão dos padrões de beleza cada vez mais irreais, o bombardeio de clichês imagéticos e seus efeitos sobre as pessoas –e especialmente sobre os adolescentes–são assuntos que considero relevantes para quem trabalha de forma responsável com qualquer tipo produção visual.

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[Camiseta masculina de Thais Losso, “O sorriso de Bete”]

Selecionei algumas manifestações artísticas que tratam do tema, para completar o post. Quem quiser dar sua contribuição, citando obras e textos interessantes, por favor, deixe um comentário que eu incluirei os links aqui, na medida do possível.

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[Low_res nyc outdoor advertising attacks mobile cam shots por Keke Toledo e Lu Krás, publicado na revista +Soma 007]

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Acima, convite da exposição do artista Peter de Brito na galeria Emma Thommas. O trabalho do artista consiste em auto-retratos que parodiam capas de revista e anúncios publicitários.

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[Aqui, obra de Peter de Brito]

Na revista dObras 04, de setembro de 2008, Cristiane Mesquita convida Deborah de Paula Souza para transcrever o texto da palestra que aconteceu em junho, durante o  ZigueZague, no MAM, evento paralelo ao SPFW. A conversa transversal, intitulada “Procuro-me: aparência e sensação de si”, reuniu a artista Lenora de Barros, a jornalista e estudante de psicanálise Deborah de Paula Souza e a consultora de imagem Ilana Berenholc.

Deborah trata do assunto pelo viés da psicanálise, num texto primoroso que merece ser lido integralmente. Como a dObras ainda não tem edição online, sugiro que os interessados comprem a revista, cujo conteúdo vale bem mais do que os R$ 29 que custa.

Deixo, aqui, um pequeno trecho, de aperitivo:

“O Eu é uma construção imaginária, feita na relação com nossos amores e tecido com a história de nossas escolhas. Sigmund Freud, criador da Psicanálise, dizia que o ego é uma espécie de mediador entre o inconsciente, as exigências da realidade e os imperativos do Supereu –que é um tipo de juiz interno. […] Ao considerar o inconsciente, a Psicanálise propõe que o Eu não é o senhor em sua própria casa. Freud chegou a compará-lo a um cavaleiro que pensa que vai onde quer, mas vai onde o insconsciente manda. Isso significa que uma parte de nós sempre nos ultrapassa. Também a aparência pode nos ultrapassar: ela revela muito de nosso inconsciente e pode funcionar como um lapso ou um ato falho; pode ser uma afirmação, um chiste, um ponto de exclamação, um vexame ou um flash: esta sou eu… no momento.”