Fashionista que se preza sabe que o principal editorial de moda da revista Vogue Italia é feito por Steven Meisel. E que todo mês, religiosamente, ele despeja uma nova leva de imagens fantásticas sobre os temas mais diversos e extravagantes.
Nesta edição de agosto, porém, penso que uma última barreira foi rompida: o ensaio de moda gira em torno da morte. É claro que, aqui, a morte aparece altamente estetizada, com requintes de fetiche, totalmente glam. Não há nada de real, vulgar ou corriqueiro nela.
Num cemitério, em baixo de chuva, um grupo de viúvas chiquérrimas –envoltas em trajes negros, usando mantilhas de renda, scarpins poderosos, luvas e terços– desfiam suas lamúrias sobre os túmulos.
Fotos: Steven Meisel
Fashion Editor: Karl Templer
Make-up: Pat McGrath
Hair: Guido
Set Design: Mary Howard
Aconselho quem tem internet de banda larga a acessar o editorial no site da revista, porque além de não gastar um centavo com a versão impressa, que custa os olhos da cara, os efeitos especiais são incríveis! (eu não sei qual é a técnica usada, e se alguém souber explicar, por favor, deixe um comentário!).
Aproveitando o assunto, leia a versão original do poema “Funeral Blues” do poeta W.H. Auden, escrito em 1936. Uma obra-prima sobre a dor da perda do amante.
Funeral Blues by W.H. Auden
Stop all the clocks, cut off the telephone,
Prevent the dog from barking with a juicy bone,
Silence the pianos and with muffled drum
Bring out the coffin, let the mourners come.
Let aeroplanes circle moaning overhead
Scribbling on the sky the message He Is Dead,
Put crêpe bows round the white necks of the public doves,
Let the traffic policemen wear black cotton gloves.
He was my North, my South, my East and West,
My working week and my Sunday rest,
My noon, my midnight, my talk, my song;
I thought that love would last for ever: I was wrong.
The stars are not wanted now: put out every one;
Pack up the moon and dismantle the sun;
Pour away the ocean and sweep up the wood.
For nothing now can ever come to any good.
E abaixo, o poema traduzido por Nelson Ascher (via blog Máquina de Escrever)
Que parem os relógios, cale o telefone,
jogue-se ao cão um osso e que não ladre mais,
que emudeça o piano e que o tambor sancione
a vinda do caixão com seu cortejo atrás.
Que os aviões, gemendo acima em alvoroço,
escrevam contra o céu o anúncio: ele morreu.
Que as pombas guardem luto — um laço no pescoço —
e os guardas usem finas luvas cor-de-breu.
Era meu norte, sul, meu leste, oeste, enquanto
viveu, meus dias úteis, meu fim-de-semana,
meu meio-dia, meia-noite, fala e canto;
quem julgue o amor eterno, como eu fiz, se engana.
É hora de apagar estrelas — são molestas —
guardar a lua, desmontar o sol brilhante,
de despejar o mar, jogar fora as florestas,
pois nada mais há de dar certo doravante.
PS- quem quiser ler a versão integral do poema em inglês, pode clicar aqui.
Outras leituras interesantes sobre a morte:
* O livro “As Intermitências da Morte” de José Saramago: “uma fábula sobre os caprichos da figura macabra e ossuda que segura os fios da via de cada um”. Por coincidência, comecei a lê-lo ontem (Thanx, Júlio!)
* “Da Morte, Odes Mínimas”, um dos meus livros preferidos de poesia, escrito pela grande Hilda Hilst. Vale a leitura:
II
Demora-te sobre minha hora.
Antes de me tomar, demora.
Que tu me percorras cuidadosa, etérea
Que eu te conheça lícita, terrena
Duas fortes mulheres
Na sua dura hoa.
Que me tomes sem pena
Mas voluptuosa, eterna
Como as fêmeas da Terra.
E a ti, te conhecendo
Que eu me faça carne
E posse
Como fazem os homens.
(PS_ Thanx Cristiano, amigo e “hierofante hirsuto” -private joke- que é uma espécie de backup de segurança da minha memória instável)