Chagall nos Sonhos

Na coluna Tesouros sem Frescura desta semana, Liliane Oraggio abre seu arquivo de imagens do inconsciente. Sonha, Lili!

Birthday 1915 de Marc Chagall

Chagall nos Sonhos

Desde criança sonho muito. Há uns tempos, comecei a aproveitar o tecidos dos sonhos em contos mínimos.
Tenho uma série deles que vou postar aqui, vez ou outra, entremenado os tesousos da realidade. Este contito é dedicado ao Roberto Gambini, brilhante analista junguiano, amigo querido, tradutor do livro “O Caminho dos Sonhos”, de Marie Louise von Franz e Fraser Boa. Esta obra mudou a minha vida e aumentou o gosto por sonhar e desvendar o material bruto do inconsciente. Em 2009, Gambini ganhou o prêmio Jabuti por “A Voz e o Tempo” , em que sintetiza sua experiência clínica dos últimos 30 anos. Eu tenho a sorte de saber que ele escreve como fala e enquanto leio posso ouvir sua voz e suas pausas… E, para combinar, claro, Marc Chagall que sempre me transporta por suas cores, bichos e atmosferas surreais.

Onírico 4

Birthday, 1915. Essa era a legenda para o quadro de Chagall disponível nos e-cards do Moma, de Nova York. Tudo na cena flutuava e de tanto olhar a imagem Ingrid já tinha sido o buquê colorido, o beijo suave, o homem, a mulher, o vestido, o tapete, as franjas do tapete. Naquela noite, clicou enviar e lançou, mais uma vez, Chagall pelos ares. Caminhou até o último dos três quartos do corredor, o silêncio entranhado na pouca mobília, na imensidão da casa quase vazia. Afundou o rosto na fronha de borboletas. Roberto entrou de terno escuro e camisa branca, se pôs a seu lado vestido. Num malabarismo certeiro, enlaçou-a pela cintura, mão firme, máscula, madura. Os pés de Ingrid calçados com delicados sapatos de salto deixaram o chão, os dele nunca tinham deixado o éter. Assim em levitação mútua foram se deslocando rápido, sem sequer arranhar a gravidade. Iam, simplesmente, juntos, na direção da cor.

Por Liliane Oraggio